03 Dezembro 2021
Em visita ao Chipre e à Grécia, Francisco pretende enfatizar a questão migratória e do ecumenismo.
A reportagem é de Cécile Chambraud, publicada por Le Monde, 02-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco se prepara para uma nova etapa da sua peregrinação pelo Mediterrâneo com a viagem que o levará ao Chipre e à Grécia de 2 a 6 de dezembro. Será a oitava desde o início do seu pontificado, depois da ilha de Lampedusa em 2013, da Terra Santa, da Albânia e da Turquia em 2014, da ilha grega de Lesbos em 2016, do Egito em 2017, do Marrocos em 2019. Ao que se pode acrescentar o Iraque, em março, pela repercussão que os acontecimentos naquele país têm nos estados vizinhos. E talvez um dia o Líbano, para onde ele quer ir assim que for possível. Daquele país recebeu o primeiro-ministro, Najib Mikati, no dia 25 de novembro, em Roma.
Esta sucessão de visitas mostra a importância que o primeiro Papa latino-americano dá a "esta região crucial do mundo (...), o lugar físico e espiritual em que nossa civilização se formou, a partir do encontro de diferentes povos", como explicou em fevereiro de 2020, durante um encontro de bispos do Mediterrâneo em Bari. Além disso, o Vaticano anunciou recentemente que participará de uma nova reunião deste tipo em fevereiro de 2022 em Florença. Uma centena de prefeitos das cidades costeiras e igual número de bispos estarão reunidos sobre o tema: “O Mediterrâneo, fronteira de civilização, fronteira de paz”.
O Mediterrâneo apresenta todas as problemáticas muitas vezes enfrentados por Francisco: desigualdades de riqueza, conflitos abertos ou ocultos, migrações e tráfico de seres humanos de todo tipo, encontro das religiões e diálogo ecumênico ... Segundo uma expressão que frequentemente usa, nesta região mais do que em qualquer outro lugar, talvez "tudo esteja conectado". “Para ele é um lugar exemplar, simbólico de uma relação Norte-Sul que lhe é cara, já que ele vem de um país do Sul do mundo e percebe o problema das migrações através do Mediterrâneo, enfatiza Pascal Gollnisch, diretor geral da associação católica L'Oeuvre d'Orient. É também um lugar muito importante para o diálogo islâmico-cristão”. Francisco se envolveu muito nessas relações inter-religiosas, em particular através de seus encontros com Ahmed Al-Tayeb, o grande imã da mesquita Al-Azhar no Cairo, autoridade do Islã sunita, e com o grande aiatolá Ali Al-Sistani, autoridade espiritual dos xiitas do Iraque.
No discurso proferido em Bari, Francisco apresentou sua visão do espaço Mediterrâneo e seus desafios. “Este mar obriga os povos e as culturas que se debruçam ao seu redor a uma constante proximidade”, observou. Explicitou vários aspectos dessas relações que podem ser fonte de desequilíbrios e tensões, como as desigualdades econômicas, as correntes migratórias, as relações entre tradições religiosas, a tentação do nacional-populismo. “O Mediterrâneo tem uma vocação particular neste sentido: é o mar da mestiçagem. A pureza das raças não tem futuro. Estar debruçados sobre o Mediterrâneo representa, portanto, um potencial extraordinário: não vamos permitir que por causa e um espírito nacionalista se espalhe a persuasão do contrário, isto é, que os Estados menos acessíveis e mais isolados geograficamente são privilegiados”, afirmou.
Tanto em Chipre como na Grécia, a ênfase recairá sobre a questão das migrações. Em uma igreja em Nicósia, Francisco presidirá uma oração ecumênica com os migrantes. Na Grécia, onde as autoridades iniciaram a construção de campos de refugiados fechados para requerentes de asilo nas ilhas próximas à costa turca, ele irá pela segunda vez ao encontro de refugiados na ilha de Lesbos. Em 2016 ele já havia feito uma rápida visita ao acampamento de Moria, que foi em grande parte destruído por um incêndio. Muito impressionado com o que viu e ouviu lá, ele levou três famílias de refugiados sírios para Roma.
A crise migratória é um tema onipresente nas intervenções do papa argentino, especialmente porque agora vai além da área do Mediterrâneo. Domingo, 28 de novembro, após o angelus na Praça São Pedro, insistiu no destino dos migrantes "que arriscam a vida ou que a perdem nas nossas fronteiras", evocando, além do Mediterrâneo, o Canal da Mancha, após o naufrágio que causou 27 vítimas em 24 de novembro, e a fronteira com a Bielo-Rússia, onde milhares de pessoas, principalmente do Oriente Médio, estão bloqueadas há semanas em condições difíceis. No dia anterior, ele havia se encontrado com voluntários que prestam ajuda a migrantes. Em uma mensagem de vídeo dirigida aos gregos e aos cipriotas antes da viagem, o papa retoma o termo que usou em 2014 para falar sobre o Mediterrâneo diante do Parlamento Europeu (e que foi retomado por Emmanuel Macron para falar sobre o Canal da Mancha), aquele de um mar que se tornou "um cemitério".
O segundo aspecto dominante desta dupla visita será o das relações com as Igrejas Ortodoxas. Em Nicósia, o bispo de Roma será recebido pelo Sínodo da Igreja Ortodoxa do Chipre e seu Primaz, Crisóstomo II. Em Atenas, ele encontrará em duas oportunidades Gerônimo II, o primaz ortodoxo da Igreja grega, bem como outros bispos. “Na Grécia, o ecumenismo é bastante difícil”, afirma eufemisticamente Pascal Gollnisch. As relações institucionais com os representantes da Igreja Católica são, por assim dizer, inexistentes. “Ainda há muito a fazer para se chegar à harmonia entre os cristãos do Oriente e aqueles do Ocidente, para que a Igreja possa respirar com seus dois pulmões”, reconheceu João Paulo II em 2001, durante a primeira viagem de um papa à Grécia.
A diplomacia ativa do Papa Francisco na direção do mundo ortodoxo deve levar em conta as tensões, às vezes as fraturas que o atravessam, em particular após a crise ucraniana, que causou o fracasso do primeiro concílio pan-ortodoxo, organizado em Creta em 2016 após 45 anos de preparação. Francisco mantém boas relações com Bartolomeu, patriarca de Constantinopla, e conseguiu - a primeira vez para um papa - se encontrar com Cirilo, patriarca de Moscou, em Cuba em 2016. Mas os dois patriarcas entraram em confronto por causa da autocefalia pronunciada em 2019 pela Igreja Ortodoxa de Ucrânia, que desde então não reconhece mais o patriarcado de Moscou.
“O período é ambivalente para todas as Igrejas, sublinha Carol Saba, responsável pela comunicação da Assembleia dos Bispos Ortodoxos da França. Existem dificuldades eclesiais e institucionais tanto nas Igrejas Ortodoxas como na Igreja Católica. O contexto é muito diferente daquele da histórica visita de João Paulo II, que era baseado em fortes convicções. Havia sido recebido pelo arcebispo grego Cristódulo, figura emblemática que tinha um forte impacto sobre os jovens”.
Por fim, as relações com a Turquia constituirão o pano de fundo desta dupla visita, tanto pela questão migratória como pela visita ao Chipre. A descoberta de jazidas de gás na área reacendeu as tensões no Mediterrâneo oriental e reavivou a dimensão geopolítica da ilha, dividida desde 1974 entre República do Chipre, membro da União Europeia, e República Turca de Chipre do Norte (RTCN), reconhecida apenas pela Turquia. É o que testemunha a visita, em julho, do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, na parte norte da ilha, onde o candidato por ele apoiado, Ersin Tatar, foi eleito presidente da RCTN em outubro de 2020.
“A visita de Papa Francisco ao Chipre, no Mediterrâneo oriental, tem uma dimensão geopolítica diante do expansionismo turco, ressalta Carol Saba. Historicamente, os gregos muitas vezes perceberam o Ocidente como uma ameaça, mas também tiveram a impressão de que a Europa, a parte ocidental, não os defendia suficientemente das ameaças vindas do Oriente”. “Será interessante ver como o papa tratará, ou não tratará, com a questão da ocupação do norte do Chipre”, observa Pascal Gollnisch. Ele vai ignorá-la? Vai lançar um apelo? Ele vai estender a mão?”. A trigésima quinta viagem ao exterior do Papa Francisco se anuncia mais uma vez tanto política quanto religiosa.
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O Papa no Mediterrâneo, “mar da mestiçagem” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU